quinta-feira, 15 de abril de 2010

Hoje, o apoio do PS a Manuel Alegre é um gesto natural.

"A TSF perguntou-me sobre o apoio do PS a uma candidatura presidencial de Manuel Alegre. Como lhes disse, acho que essa candidatura é neste momento um gesto natural.

Esse gesto será consensual? Nem pensar. Aliás, creio que o apoio do PS a um candidato raramente ou nunca terá sido pacífico. Não me esqueci dos episódios em torno do General Ramalho Eanes, dos socialistas divididos entre Soares, Zenha e até Pintasilgo, de um congresso que se dizia ser para salvar Portugal e era para arranjar uma candidatura "à Fernando Nobre", então alternativa à de Jorge Sampaio e, claro, dos episódios entre a direcção do PS, Soares e Alegre nas últimas eleições.

A esse gesto obedecerão todos os militantes? Não o devemos esperar, nem dar nenhuma importância ao facto de assim não ser . Não o deve fazer nem a direcção do PS, nem o candidato Manuel Alegre. Afinal, o PS é o partido que enalteceu Miguel Veiga, Rui Oliveira e Costa e Helena Roseta por apoiarem Mário Soares contra Freitas do Amaral (e lamentou que tivessem que saír do PSD por isso), o partido que aplaudiu Joana Amaral Dias por apoiar o mesmo Soares, mas agora contra o líder do seu partido, Francisco Louçã e o partido que conviveu já com o facto, bem mais difícil, de ver Manuel Alegre candidatar-se contra o candidato apoiado pelo PS. Como disse à TSF, compreendo perfeitamente José Lello e penso que não se deve criar nenhum dramatismo à volta da existência de cidadãos e militantes do Partido Socialista desconfortáveis com esta ou aquela decisão em matéria presidencial. Aliás não é sequer uma questão nova.

Acresce que, quem tem essa visão, teve quatro anos para procurar um socialista tão bem posicionado como Manuel Alegre e disponível para tal combate. Mas não o procurou fazer, ou então não o conseguiu, pelo que terá que admitir a sua derrota antecipada e seguir em frente.

Francamente, não vejo nenhum dramatismo no apoio do PS a Manuel Alegre, por muito incómodo que cause a alguns militantes. Já todos estivemos um dia na posição de achar que o partido se compromete com dinâmicas mais à direita ou mais à esquerda do que achamos que devia ser o seu rumo. Já todos estivemos na situação de confiar mais nuns protagonistas que noutros, de acreditar mais numas batalhas que noutras e de nos empenharmos mais nestes e nestas do que naqueles e naquelas.

Concordo em tudo com Manuel Alegre e partilho integralmente da sua visão do país? Nem pouco mais ou menos. Mas garanto que partilho com ele muitissimo mais coisas do que com o conservadorismo conhecido de Cavaco Silva ou o vazio missionário com sede de estrelato e disponibilidade para figurar em todas as lapelas de Fernando Nobre.

Há muitas razões para o PS e os socialistas apoiarem Manuel Alegre e terei muitas oportunidades de as expressar. Mas há antes de todas as outras uma que é em si mesma um desafio a todos os que se incomodam com esta candidatura: Manuel Alegre é até hoje o único cidadão que se apresentou no terreno das eleições presidenciais que tem um percurso político na àrea da esquerda democrática, uma mundivisão republicana, laica e progressista e não é conservador nem oportunista, vagueando ao sabor das marés.

Por isto tudo, não compreendo os que acham que cai o Carmo e a Trindade se o PS apoiar Manuel Alegre. De facto, a minha visão disto é simples. Se é compreensível que haja militantes que não se reconhecem neste candidato, não é compreensível que se lance a ideia de que o Partido Socialista vai apoiar um candidato que é seu militante há mais de três décadas, foi seu deputado durante mais de três décadas, e ainda assim possa dividir o partido.

Mais, espero que a alternativa de não apoiar nenhum candidato e, por essa via, apoiar Cavaco Silva, dividisse muito mais o partido do que o gesto natural de apoiar o seu militante de sempre. Porque se assim não fosse, seria tanto um péssimo indicador sobre o enraízamento do partido na esquerda democrática e na visão progressista da vida social e política em geral, quanto ainda pior manifestação de facciosismo e sectarismo interno. Felizmente, tudo aponta para que José Sócrates vai elevar-se, mesmo que contra parte do inner circle que escolheu, acima de tão grandes desvios ao lugar do PS no sistema político português."
 
Paulo Pedroso

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