domingo, 1 de agosto de 2010

Manuel Alegre e o «direito» à resistência



O jornal «i» publicou ontem mais um texto sobre o passado militar de Manuel Alegre. Não me interessa a «acusação», mil vezes repetida, comentada e desmentida, quanto a uma hipotética condição de desertor que não foi (e se tivesse sido?!...), mas sim afirmações absolutamente extraordinárias, que ainda não vi comentadas, de um almirante, de seu nome Vieira Matias, que foi chefe do Estado-Maior da Armada, de 1997 a 2002.

Vieira Matias diz saber que Manuel Alegre não foi desertor, por ter sido mobilizado para Angola e ali ter permanecido até passar à disponibilidade (em Dezembro de 1963, com ordem de regresso, depois de preso pela PIDE e com residência fixa em Coimbra), mas que «isso é o que menos importa». Porque grave foi a sua acção na Rádio Voz da Liberdade, em Argel, que «criava danos psicológicos nas nossas tropas e incentivava o inimigo a combater mais violentamente». A guerra colonial era injusta para Manuel Alegre? «Poderia ser a opinião dele, mas não lhe dava o direito de criar condições para causar mais baixas nos seus compatriotas.»

Ou seja: em 2010, alguém, que exerceu um cargo da maior responsabilidade nas Forças Armadas, diz impunemente alarvidades destas e ninguém reage. Trinta e seis anos depois do 25 de Abril, põe-se em causa um candidato à presidência da República porque ele foi um resistente activo, não só mas também contra a guerra colonial, num exílio em Argel (que, garanto-vos eu, esteve longe de ser de luxo quando não foi mesmo de perigo), naquele que foi um instrumento da oposição portuguesa, absolutamente único: a Rádio Voz da Liberdade. Quantas notícias sobre o que se passava nas várias frentes de guerra não nos chegavam apenas através desse som que tentávamos, tantas vezes em vão, captar pela calada da noite, em rádios sempre mais ou menos roufenhos? Vem agora pôr-se em causa o «direito» à denúncia do que se passava em África? O «direito» à luta contra a ditadura?

O currículo do Vieira Matias não diz «onde é que ele estava no 25 de Abril». Não sei quem o nomeou para chefe do Estado-Maior da Armada. Mas, entre 1997 e 2002, o presidente desta República era Jorge Sampaio e o primeiro-ministro chamava-se António Guterres. A brandura dos nossos costumes e as cedências nalgumas nomeações têm um sabor amargo, mesmo alguns anos mais tarde. E, por vezes, pagam-se caras.

P.S. 1 – Dizem-me entretanto que Vieira Matias pertence actualmente ao Conselho das Antigas Ordens Militares, «nomeado por alvará do Presidente da República».

P.S. 2 - Justiça seja feita: acabo de saber que Vieira Matias «foi corrido» por Jorge Sampaio. (30/7, 10:52)

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