domingo, 5 de dezembro de 2010

Cinco mitos sobre a crise A Europa do Norte governa muito melhor que a do Sul? Bom, o primeiro país a falir foi a Islândia e o terceiro a ajoelhar perante o FMI foi a Irlanda.

Acabemos com os mitos. O primeiro é que a Europa do Norte governa muito melhor do que a do Sul. Bom, o primeiro país a falir com grande estrondo foi uma tal de Islândia, que não fica no Mediterrâneo e cujo sistema financeiro jogou em pleno na economia de casino, pagando juros elevadíssimos para captar dinheiro de vários pontos do mundo. E o terceiro a pedir ajuda ao fundo europeu de emergência e ao FMI foi a Irlanda, que durante anos e anos foi apregoada por hordas de gurus como o modelo que os países do Sul deveriam seguir para obter sucesso.
O segundo mito é que países como Portugal atuaram tardiamente em relação à crise. Ora muito bem: a Irlanda, assim que sentiu o perigo, aplicou severos cortes nos salários dos políticos e da função pública e atacou em força as despesas do Estado para reduzir o défice. Por isso, foi saudada por múltiplos analistas e pelas capitais europeias. Tenho um segredo para partilhar: não foi por atuar mais cedo nem por fazer o que devia que a Irlanda resistiu aos mercados. Pelo contrário, ajoelhou no passado fim de semana. Antes de Portugal, cujo Governo atuou tarde e a más horas. Outro mito que vai ao fundo.
Terceiro mito, que decorre deste: se a Irlanda recorresse ao fundo europeu de emergência e ao FMI, os mercados iriam acalmar e deixar em paz os outros países. Basta ver o que se está a passar esta semana, com a subida dos juros da dívida pública de Portugal e Espanha, para perceber que este é outro mito que não resiste à realidade.
Quarto mito: se os países em dificuldades tomassem medidas orçamentais duríssimas para reduzir os seus défices, atingindo assim gravemente o nível de vida e de bem-estar dos cidadãos, os mercados entenderiam a mensagem e deixariam de pressionar esses países. A resposta está aí: vamos aplicar a mais brutal redução do défice público em quase quatro décadas de democracia e estamos a caminho de ser obrigados a pedir a ajuda internacional, talvez antes do final do ano. E a Espanha, que também fez severos cortes orçamentais atempadamente, vai exatamente pelo mesmo caminho.
Quinto mito: é muito melhor que venha o FMI impor as medidas que deveremos adotar em vez de sermos nós a resolver os nossos problemas. Pois bem: o FMI recomenda cortes salariais (estão feitos), redução nas prestações sociais (está concretizada) e reformas, nomeadamente na segurança social (ignoram que fizemos uma das mais radicais reformas da segurança social a nível europeu) e no mercado de trabalho (já fizemos parte do trabalho). Mas o FMI quer mais: quer que o despedimento individual seja flexibilizado e que os processos de despedimento sejam mais baratos, levando as empresas a pagar indemnizações mais reduzidas, sobretudo nas rescisões com trabalhadores do quadro e muitos anos de casa. Ou seja, num país em que o salário médio per capita é de €800, o FMI considera que a raiz dos nossos problemas reside na legislação sobre o despedimento individual e nas indemnizações pagas. Com a devida vénia, é um autêntico disparate.
Este arrazoado não evitará, com grande probabilidade, que tenhamos de recorrer aos apoios europeus e do FMI. Mas sempre podemos dizer a dezenas de gurus, economistas e analistas que a sua argumentação tem sido completamente desmentida pela realidade e que não nos comem por parvos. 

1 comentário:

Unknown disse...

Até aqui tudo bem, estamos de acordo.
Mas também serão mitos o despesismo incontrolado do governo e a distorção do rigos orçamental a favor de políticas eleitorais?
Abraço